«Little Gidding»
V
Aquilo a que chamamos começo é muitas vezes o fim
E criar um fim é criar um começo.
O fim é a partir de onde começamos. E toda frase
E enunciação correcta (onde cada palavra esteja bem acomodada,
Ocupando o seu lugar para suportar as outras,
A palavra nem tímida nem ostentatória,
Uma fácil negociação entre o antigo e o novo,
A palavra comum exacta sem vulgaridade,
A palavra formal precisa, mas não pedante,
O consórcio pleno dançando juntas)
Cada frase e cada enunciação é um fim e um começo,
Cada poema um epitáfio. E qualquer acção
É um passo para o cadafalso, para o fogo, garganta do mar adentro
Ou para uma pedra ilegível: e é aí que começamos.
Morremos com os moribundos:
Vejam, eles partem, e nós vamos com eles.
Nascemos com os mortos:
Vejam, eles retornam e trazem-nos com eles.
O momento da rosa e o momento do teixo
São de duração igual. Um povo sem história
Não se redime do tempo, porque a história é um padrão
De momentos intemporais. Assim, quanto a luz amortece
Numa tarde de Inverno, numa capela recôndita
A história é agora e Inglaterra.
Com o traçar deste Amor e a voz deste Chamamento
Não abdicaremos de explorar
E o fim de toda a nossa exploração
Será chegar aonde começámos
E conhecer o local pela primeira vez.
Através do desconhecido, imemorado portal
Quando o último pedaço de terra deixado por descobrir
Seja aquele que foi o começo;
Na nascente do rio mais longo
A voz da cascata escondida
E das crianças na macieira
Desconhecido, porque nunca o procuraram
Mas ouvido, semi-ouvido, na quietude
Entre duas ondas do mar.
Rápido agora, aqui, agora, sempre
Numa condição de simplicidade total
(Custando não mais do que tudo)
E tudo ficará bem e
Todos os modos das coisas ficarão bem
Quando as línguas de fogo se inflectirem
Adentro do nó de fogo coroado
E o fogo e a rosa sejam um.
trad. Helena Barbas, de «Little Gidding», o último dos ‘Four Quartets’, dos últimos poemas escritos por T. S. Eliot (1888-1965)