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Carta à Troika

[Mary Pickford, em ‘Tess of the Storm Country’, 1914]

Querida Troika
Resolvi também escrever-vos uma carta para não ficar mal vista. Desejo que façam boa viajem até casa, e descansem que já estavam a ficar um bocado amarelinhos.  Fizeram um grande trabalho, e obrigadinha. Puseram três partidos de acordo, e arrumaram-nos a casa à séria em 34 páginas. Andam pr’aí as más-línguas a dizer que a malta por cá também sabia fazer isso, o caso é que não fizeram. Acho que saber, sabíamos. Não sabíamos, nem sabemos é como é que vamos pôr aquilo em prática. Cá por mim há dois problemas: um é a palavra «monitorização» e o outro é a pressa em mandarem-nos a massa assim de repente – até parece que são da Santa Casa.
   Cá o pessoal não consegue monitorizar nada; é uma herança do antigo regime, cheira logo a pides e «big-brothers»; depois, é genético, é a herança romana. A malta por cá faz os negócios em família; como isto é um lugarejo, as famílias são um bocado grandes, há muitos primos, e primos dos primos dos primos, e a coisa não tem fim. Não se monitoriza a família, não é? É mais feio do que espreitar pelo buraco da fechadura.
   Depois, essa pressa de nos emprestarem o dinheiro, e o Poul a dizer que não sabe bem a dimensão real da dívida por causa das PêPêPês… Não fiquem tristes, que cá a malta também não sabe (já estamos quase a habituar-nos), e para vos consolar, também não sabemos que juros nos vão vocês mesmo cobrar (aquele 4º ano está mesmo a pedi-las, não é?).
   Acho muito caridoso da vossa parte que nos emprestem a massa assim, de repente, mas quando a esmola é grande o pobre desconfia. Dizem as más-línguas que traz água no bico, que os almoços não são de borla (e vocês, mesmo a sandes, ainda andaram aí a morfar uns quinze dias). Não quero parecer ingrata, mas estava aqui a torcer para que os tipos da terra do Pai Natal nos vetassem esta coisa. Depois vocês já vinham aí com mais calma no Verão, apanhavam um solzito, comiam umas sardinhas e voltavam p’ra casa mais coradinhos?
   Desta sempre vossa

[publicado em ‘Menagerie’ Maio 2011 – quando a ‘dívida’ estava em 108,3 %]

  

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